Brasil faz malabarismo na ONU para criticar ação da Rússia sem atingir Putin
Diplomacia usa manobra retórica para não se indispor com Moscou, parceiro estratégico e sócio no Brics
A escalada de tensões na Ucrânia —que culminou com a decisão do líder russo Vladimir Putin de invadir o país—? tem forçado o Itamaraty a promover um malabarismo retórico para mostrar, ao mesmo tempo, oposição a uma violação do direito internacional por Moscou sem apontar o dedo diretamente para a Rússia.
Os russos são considerados parceiros estratégicos e são sócios do Brasil no Brics (grupo também formado por Índia, China e África do Sul).
A tentativa da diplomacia brasileira de se equilibrar entre a posição dos Estados Unidos e aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e, do outro lado, a da Rússia de Vladimir Putin tem ficado evidente nos discursos do embaixador do Brasil na ONU, Ronaldo Costa Filho, no Conselho de Segurança.
A última manifestação do brasileiro ocorreu na noite desta quarta-feira (23). Na ocasião, Costa Filho disse que “a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial, soberania e independência política de um membro da ONU é inaceitável”.
Trata-se de uma das mais duras linguagens adotadas até o momento contra a mobilização militar russa na fronteira —e agora no território— da Ucrânia.
Apesar disso, Costa Filho não mencionou diretamente o governo da Rússia e passou longe da retórica americana e de aliados europeus que responsabilizam diretamente Putin pela maior ameaça militar no continente europeu desde a Segunda Guerra Mundial.
Diplomatas consultados pela Folha avaliaram, sob condição de anonimato, que a fala de Costa Filho foi o mais longe que o Brasil conseguiu chegar para criticar a ameaça de agressão russa sem fazer uma condenação enfática de Moscou —algo que, dizem, não é do interesse do país.
Destacaram ainda que o anúncio da invasão da Rússia ocorreu enquanto a sessão do Conselho de Segurança estava sendo realizada, de forma que o discurso de Costa Filho provavelmente foi elaborado antes do início dos ataques.
O paralelo mais próximo à atitude brasileira na ONU também tem relação com a Rússia. Em 2014, o país se absteve de condenar a decisão russa de anexar a Crimeia, que era parte do território ucraniano.
Nesta quinta (24), o Itamaraty divulgou uma nota em que diz acompanhar “com grave preocupação a deflagração de operações militares” pela Rússia contra “alvos no território da Ucrânia”.
Costa Filho fez ainda em sua manifestação um apelo pela retirada de tropas como “uma medida efetiva para a prevenção e redução de ameaças à paz”.
“O recurso às armas e a confrontação não levam a uma paz duradoura. Nesse sentido, conclamamos todas as partes que exerçam contenção máxima e se abstenham de qualquer ação que possa aumentar as tensões no terreno. Não é tempo para retórica beligerante ou ameaças militares, mas de verdadeiro engajamento no processo diplomático. O caminho das negociações não foi exaurido”, declarou.
A declaração de Costa Filho, no entanto, traz mudanças em relação a manifestações anteriores do Brasil. Em reunião anterior do Conselho de Segurança sobre o tema, em 31 de janeiro, o diplomata havia se oposto a sanções econômicas unilaterais.
Na noite desta quarta, o Brasil não fez qualquer referência a sanções econômicas. Uma menção nos moldes da que foi feita no final de janeiro, dizem diplomatas, poderia ser interpretada como uma crítica a ação dos Estados Unidos e de aliados de impor punições contra a Rússia por conta da invasão.
Em sua primeira e única manifestação até o momento sobre a invasão, o presidente Jair Bolsonaro (PL) evitou comentar o conflito em si, e disse apenas estar “totalmente empenhado” em proteger brasileiros na região.
“Estou totalmente empenhado no esforço de proteger e auxiliar os brasileiros que estão na Ucrânia”, disse no Twitter. Nossa Embaixada em Kiev permanece aberta e pronta a auxiliar os cerca de 500 cidadãos brasileiros que vivem na Ucrânia e todos os demais que estejam por lá temporariamente”.
Em seguida, reproduziu nota da Embaixada do Brasil em Kiev, apenas com orientações para brasileiros na região. O texto compartilhado por Bolsonaro não trata sobre o conflito em si.
Integrantes do governo têm defendido que ele se mantenha neutro e evite fazer comentários a respeito da guerra. O chefe do Executivo esteve na semana passada com o mandatário russo, Vladimir Putin.
O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, adotou tom similar ao chefe do Executivo. “Nosso foco é proteger os brasileiros e tirá-los de lá o mais rápido possível”, disse à Folha.
Já os presidentes das Casas no Congresso pediram soluções pacíficas ao conflito e evitaram condenar a ação militar russa. Arthur Lira (PP-AL), à frente da Câmara, ressaltou que o mundo já passa pelo luto de milhões de perdas durante a pandemia da Covid-19.
“Neste momento, precisamos de paz, entendimento e que as duas nações busquem os caminhos diplomáticos”, afirmou no Twitter.
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, pediu diálogo para chegar a uma solução que “contemple interesses das partes envolvidas”.
“Consoante a política externa brasileira, que historicamente tem-se orientado pela busca da paz e pela solução negociada dos conflitos internacionais, como presidente do Congresso Nacional e, em nome de meus pares, reafirmamos a necessidade de um diálogo amplo, pacífico e democrático com vistas a uma rápida solução negociada que contemple os legítimos interesses das partes envolvidas”, informou por meio de nota.?
Via Folha de São Paulo