Destaques

PL da Dosimetria: o que muda na lei penal, por que virou bomba política no Congresso e onde entram os “R$ 22 bilhões”

Por Rubem Gama

O Congresso Nacional concluiu a tramitação do chamado PL da Dosimetria Penal, projeto que altera critérios utilizados pelo Judiciário para fixar penas e definir o regime inicial de cumprimento. A proposta, aprovada pela Câmara dos Deputados e confirmada pelo Senado Federal, segue agora para a mesa do Presidente da República, que pode sancionar integralmente, vetar parcialmente ou vetar o texto por completo.
A votação, no entanto, esteve longe de ser apenas técnica. O projeto tornou-se um dos temas mais explosivos da atual legislatura, ao misturar direito penal, os atos de 8 de janeiro de 2023, pressões políticas e uma negociação paralela estimada em até R$ 22 bilhões.
Afinal, o que é dosimetria penal
A dosimetria da pena é o método jurídico utilizado pelo juiz para calcular a punição aplicada a um condenado. Prevista no Código Penal, ela ocorre em três fases:
Pena-base: o juiz analisa circunstâncias como culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do réu, motivos e consequências do crime
Agravantes e atenuantes: fatores que aumentam ou reduzem a pena, como reincidência ou confissão
Causas de aumento ou diminuição: majorantes e redutoras previstas em lei
O PL aprovado estreita a margem de discricionariedade do magistrado, reduzindo o peso de critérios subjetivos e limitando aumentos considerados excessivos na pena-base. Na prática, isso pode resultar em penas menores e progressão de regime mais rápida, a depender do caso concreto.
Por que isso virou o centro da guerra política
Embora o texto seja genérico, o debate público foi rapidamente capturado por um fato concreto: as condenações dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Críticos do projeto afirmam que ele abre caminho para revisões indiretas de penas já aplicadas, funcionando como uma “anistia disfarçada”. Defensores rebatem dizendo que não há anistia, mas sim correção de distorções e padronização de critérios.
É nesse ponto que o debate jurídico deixa de ser apenas técnico e passa a ser político e ideológico.
Onde entram os “R$ 22 bilhões” do suposto acordão
Durante a tramitação no Senado, líderes partidários passaram a falar abertamente em um acordo político de bastidores. Segundo declarações públicas de parlamentares, o avanço do PL da Dosimetria teria sido facilitado em troca do apoio a projetos econômicos do governo, especialmente no campo tributário.
Essas medidas, de acordo com estimativas da equipe econômica, podem gerar entre R$ 20 bilhões e R$ 22 bilhões em arrecadação futura. Não se trata de dinheiro “injetado” no projeto penal, mas de uma moeda de troca legislativa: libera-se uma pauta sensível no campo penal e destrava-se outra no campo fiscal.
O governo admite um acordo de procedimento, mas nega barganha política direta. A oposição chama de acordão. O resultado prático foi a aprovação da proposta.
Como os partidos se posicionaram
Direita e centro-direita
Defenderam o projeto como forma de combater abusos judiciais e excessos punitivos
Argumentam que penas foram infladas por critérios subjetivos
Negam qualquer relação com anistia aos envolvidos no 8 de janeiro
Centro
Atuou de forma dividida
Parte votou pelo texto para garantir “segurança jurídica”
Parte apoiou por pragmatismo político, mirando acordos em outras pautas
Esquerda
Majoritariamente contrária ao projeto
Avalia que o texto fragiliza o combate a crimes contra o Estado Democrático de Direito
Aponta risco de revisão de condenações emblemáticas
Parte da base governista, contudo, permitiu o avanço da votação para não travar a agenda econômica
O que acontece agora
Com a aprovação no Senado Federal, o projeto segue para sanção presidencial. O Presidente da República tem três caminhos:
Sancionar integralmente, validando as novas regras
Vetar trechos específicos, especialmente os mais sensíveis
Vetar totalmente, devolvendo o tema ao Congresso Nacional
Qualquer veto pode ser derrubado pelo Parlamento, o que mantém o assunto vivo e politicamente inflamável.
Em resumo
O PL da Dosimetria não representa apenas uma mudança técnica no Código Penal. Ele se transformou em um símbolo do embate entre Judiciário, Congresso e Executivo, entre rigor penal e garantismo, entre punição exemplar e revisão de excessos.
No meio desse jogo surgem cifras bilionárias, acordos silenciosos e uma pergunta que ainda ecoa nos corredores de Brasília:
foi justiça, foi política — ou foi tudo ao mesmo tempo?

Rubem Gama

Servidor público municipal, acadêmico de Direito, jornalista (MTB nº 06480/BA), ativista social, criador da Agência Gama Comunicação e do portal de notícias rubemgama.com. E-mail: contato@rubemgama.com

Deixe uma resposta