Drogas

Líquida, sem cheiro e transparente: como a ‘droga do estupro’ é usada em festas de classe média alta no Rio

Bando também vendia ilícitos por aplicativos de mensagens; homens já foram indiciados pela Polícia Civil e denunciados pelo Ministério Público estadual por tráfico de drogas

Por Carolina Heringe/O Globo

O biomédico Yan Barbosa Damasceno e o engenheiro civil Natan Wender Brandão, presos

O biomédico Yan Barbosa Damasceno e o engenheiro civil Natan Wender Brandão, presos ReproduçãoEm festas de classe média alta na Zona sul carioca, utilizando aplicativos de mensagens e site de vendas, uma quadrilha com integrantes do Rio e de São Paulo comercializa uma droga sintética conhecida como GHB (gama-hidroxibutirato). Líquido, inodoro e incolor, o entorpecente tem forte efeito, mesmo se consumido em pequena quantidade. Por isso, além de ser adotado de forma “recreativa”, consensual, ganhou o apelido de “droga do estupro”, ao ser comumente usado por autores de crimes sexuais para deixar as vítimas desacordadas. Anteontem, policiais da 15ª DP (Gávea), com apoio da Polícia Civil de São Paulo, prenderam em flagrante três membros da quadrilha pelo crime de tráfico de drogas e associação para o tráfico.

O GHB líquido é transparente e não tem cheiro. Acondicionado pelos traficantes em pequenos frascos com conta-gotas, chegam discreta e facilmente às festas, onde são vendidos e usados. Os usuários consomem a droga pingando-a diretamente na boca ou em bebidas. Compreende-se, portanto, como o entorpecente pode ser facilmente usado para dopar vítimas de crimes sexuais ou golpes.

Apreensões da polícia nas casas dos acusados incluem material para endolação, cachimbos e isqueiros, além de drogas — Foto: Divulgação/Polícia Civil

Apreensões da polícia nas casas dos acusados incluem material para endolação, cachimbos e isqueiros, além de drogas — Foto: Divulgação/Polícia Civil

Nas apreensões realizadas nos endereços dos acusados de integrar a quadrilha, os policiais encontraram GBL (gama-butirolactona) e butanodiol, dois compostos orgânicos que, segundo as investigações, são matéria-prima para a produção de GHB. Além disso, tanto o GBL quanto o butanodiol se transformam em GHB dentro do organismo, depois de ingeridos.

‘Club drugs’

O GHB já foi utilizado pela indústria no Brasil para a remoção de graxa de máquinas. Atualmente, sua comercialização é proibida. Já o GBL e butanodiol têm venda permitida, mas controlada. Ambos são solventes também usados na indústria. No site do laboratório Sigma-Aldrich, que comercializa o GBL no Brasil, é feito um alerta sobre os perigos do GHB. O texto ressalta que ambas as substâncias são conhecidas como “club drugs”, usadas em festas e casas noturnas e também por autores de crimes de estupro.

Na última quarta-feira, o biomédico Yan Barbosa Damasceno foi preso em casa, em Copacabana, na Zona Sul do Rio. No endereço, os policiais acharam maconha e butanodiol, além de cachimbos e isqueiros. Na clínica estética de Yan, em Ipanema, foi encontrado ácido hialurônico vencido, usado para procedimentos realizados no estabelecimento.

Na clínica de estética de Yan Barbosa Damasceno, em Ipanema, foi encontrado até ácido hialurônico vencido — Foto: Reprodução
Na clínica de estética de Yan Barbosa Damasceno, em Ipanema, foi encontrado até ácido hialurônico vencido — Foto: Reprodução

Em uma rede social, Yan tem 13 mil seguidores no seu perfil pessoal e 1,1 mil na conta de sua clínica. Na página, ele dá detalhes sobre os procedimentos realizados.

Segundo informações da Polícia Civil, cada frasco de 30 ml do entorpecente pode custar de R$ 100 a R$ 150. A quadrilha também agia em São Paulo, onde ocorreram as outras duas prisões.

O engenheiro civil Natan Wender Brandão foi preso em casa, na capital paulista, com grande quantidade de drogas sintéticas, como metanfetamina, além de anabolizantes. No local, também havia butanodiol. Na residência do auxiliar de serviços gerais Ednaldo José dos Santos Cosme, a polícia recolheu cocaína, GBL e dinheiro.

Engenheiro civil Natan Wender Brandão, preso por tráfico de drogas no Rio — Foto: Reprodução
Engenheiro civil Natan Wender Brandão, preso por tráfico de drogas no Rio — Foto: Reprodução

Yan e Natan já foram denunciados pelo Ministério Público do Rio pelos crimes de tráfico e associação para o tráfico, mas não tiveram a prisão decretada. A Justiça, no entanto, expediu sete mandados de busca e apreensão, que foram cumpridos pela polícia anteontem. Por causa do material encontrado com os acusados, eles foram presos em flagrante. Além do tráfico, Yan foi autuado por crime contra a saúde pública.

Ontem, a Justiça de São Paulo converteu a prisão em flagrante de Natan e Ednaldo em preventiva. No Rio, a audiência de custódia de Yan será realizada hoje.

— É uma quadrilha de tráfico diferente das que a polícia está acostumada a investigar. São criminosos de classe média e vendem a droga para um público selecionado, com poder aquisitivo maior. Diferentemente das drogas comumente comercializadas nas bocas de fumo das favelas, (o GHB) não é uma droga fácil de se achar, não é encontrada nas comunidades. Faço um alerta para que as pessoas não consumam essa droga porque ela é extremamente viciante e perigosa, pode levar à morte — explica a delegada titular da 15ª DP, Bianca Lima.

GHB líquido é transparente e não tem cheiro. Saiba mais sobre a 'droga do estupro' — Foto: Editoria de Arte
GHB líquido é transparente e não tem cheiro. Saiba mais sobre a ‘droga do estupro’ — Foto: Editoria de Arte

O psiquiatra Jorge Jaber diz que o GHB já existe há tempos no Brasil, mas não é uma droga comum. Segundo ele, a substância é usada em nichos, em ambientes com pessoas de maior poder aquisitivo. Ainda de acordo com o médico, o GHB atua no sistema nervoso central. Em um primeiro momento, com o consumo de pequenas doses, a droga diminui a inibição do usuário, assim como ocorre com quem consome álcool. Segundo o psiquiatra, a substância também é usada para a obtenção de prazer sexual mais intenso.

Rubem Gama

*Servidor público municipal, acadêmico de Direito, jornalista (MTB nº 06480/BA), ativista social, criador da Agência Gama Comunicação e do portal de notícias rubemgama.com. E-mail: contato@rubemgama.com

Deixe uma resposta