A maioria dos assassinos tem transtorno mental? Não, diz psiquiatra; veja perfis
Em entrevista exclusiva ao GLOBO, o médico Richard Taylor fala de sua experiência na atuação em mais de 150 casos de assassinatos
Se tem alguém que sabe como é a mente de um assassino é o psiquiatra forense inglês Richard Taylor, do serviço de saúde da Inglaterra. Ao longo de seus 26 anos de carreira no campo, ele já atuou em mais de 150 casos de assassinatos, desde mães que matam os filhos e homens que matam a parceira ou vice-versa, até psicopatas, assassinos em série e terroristas.
Seu trabalho não é descobrir quem cometeu esse crime terrível, mas sim porque a pessoa o cometeu. Taylor, que acredita que o homicídio não é apenas um crime, mas um grave problema de saúde pública, decidiu compartilhar com o mundo o que aprendeu sobre os diferentes tipos de assassinos na obra “A mente do assassino”, publicada recentemente no Brasil pela Globo Livros.
Em entrevista exclusiva ao GLOBO, feita por meio de um aplicativo de chamada de vídeo, o médico fala sobre o fascínio da população por crimes violentos – vide o sucesso de obras “true crime”, como a série sobre o canibal americano Jeffrey Dammer –, explica diferentes perfis de assassinos e para quais destes há possibilidade de reintegração na sociedade.
A mente de um assassino é diferente da de outras pessoas?
Pelo contrário. A maior parte dos homicídios é cometida por pessoas em estados mentais emocionais alterados por raiva, ódio, impulsividade, intoxicação por álcool, ciúmes etc. Ou seja, muitos assassinatos não estão associados a transtornos mentais oficiais, mas a situações que podemos entender sem a necessidade da explicação de um psiquiatra. Mas isso depende do tipo de homicídio. Por exemplo, nos homicídios psicóticos, que correspondem a cerca de 3% dos assassinatos, a maioria é cometido por pessoas em surtos de esquizofrenia. Nestes casos, o estado mental do agressor está realmente diferente da normalidade. Já o grupo de homicídio por motivo sexual, por exemplo, geralmente está associado a sadismo e psicopatia e isso é um estado mental muito diferente do considerado “normal”. Então essa resposta depende do tipo de homicídio e é por isso que eu dividi os capítulos do livro por tipo de homicídio.
Então qualquer pessoa pode se tornar um assassino?
É possível. A pesquisa atual se concentra em uma combinação de elementos genéticos e ambientais. Por exemplo, um episódio psicótico pode acontecer com qualquer pessoa com transtorno mental como reação a um medicamento. É muito raro, mas eu tive um caso de um homem que desenvolveu um estado psicótico paranoico como efeito colateral de um medicamento para epilepsia e, infelizmente, matou seu pai. Isso pode acontecer com todos, qualquer um pode se tornar um assassino. Outro exemplo é uma situação motivada por uma separação entre parceiros. Quando um homem está perdendo sua namorada, e aqui eu digo homens porque eles cometem a maior parte das violências, muitos não suportam a perda. Essa sensação de falta, associada a uma personalidade frágil com traços narcisistas, inclui um sentimento de raiva e um comportamento de perseguição. Na minha carreira, encontrei homens que são médicos, advogados etc, ou seja, que tinham uma profissão e uma vida “normal”, mas que cometeram homicídio em uma situação assim. Há ainda mulheres que matam seus filhos por entrarem em um processo psicótico no pós-parto, por exemplo. Além de assassinatos que envolvem o abuso de substâncias, em especial álcool. Até para os psicopatas o ambiente pode determinar se ele será um assassino ou uma cobra no mundo corporativo.
É possível prevenir homicídios?
Depende do tipo. Quando falamos de homicídios psicóticos, por exemplo, 60% destes casos estão em contato com serviços de saúde mental. Então é importante continuar com os medicamentos e que o psiquiatra avalie se existe a possibilidade de essa pessoa ter um comportamento violento, por exemplo. Mas os outros 30% dos homicídios psicóticos acontecem no primeiro episódio de psicose. Nesse caso, a única coisa a fazer é educar o público sobre o que é um estado psicótico e isso é bem difícil. No livro eu conto com o caso do Jonathan, que ficou psicótico e matou sua mãe. Há ainda os casos de perseguição, por exemplo. É importante que a polícia faça intervenções quando um relacionamento está terminando e o homem começa a perseguir a ex-namorada.
Existe um perfil de assassino?
Sim, mas isso está associado ao tipo de homicídio. Por exemplo, traços de personalidade narcisista são encontrados em homens que matam parceiras e terroristas. A maior parte de homicídios é cometida por homens jovens que estão envolvidos com o tráfico de drogas e grupos criminais. Isso pode ser apenas parte do negócio, mas alguns casos também podem estar associados a questões de autoestima e sensação de ego ferido, por exemplo. Mulheres que matam seu parceiro, frequentemente são pessoas que sofreram abuso desde a infância e que depois estiveram em relacionamentos com homens abusivos, em um padrão repetitivo. Já as que matam seus filhos podem ter uma história de conflitos familiares e maus-tratos.
A população em geral parece ter muito interesse em crimes, em especial aqueles que envolvem homicídios. Basta olhar para o crescente número de produções sobre o assunto. Há um motivo para isso?
Não tem uma resposta certa ou teoria sobre isso. Mas acho que crimes sempre foram um assunto de interesse. Na Inglaterra, por exemplo, em 1900 tivemos muitos jornaizinhos sobre crimes da época. Mas acho que depois dos anos 1970, quando o FBI mudou sua técnica e desvendou casos famosos de crimes cometidos por serial killers, como Ted Bundy e Ed Kemper, houve mais interesse porque esse tipo de crime é um extremo de comportamento humano e somos uma espécie social. As relações são importantes para os humanos viverem em grupo e pessoas com psicopatia não tem o básico dessa relação, que é a empatia por outras pessoas. Isso é algo muito extremo e acho que é exatamente isso o que fascina nestes casos. Assistir filmes e séries ou ler livros e revistas sobre esses crimes, da segurança de casa, causa medo e adrenalina, mas de forma semelhante aos filmes de terror, por exemplo, e isso talvez seja um pouco viciante até.
Um dos capítulos do livro é sobre “assassinos que esquecem”. Isso é possível?
É muito comum. Uma em três pessoas presas por homicídio, a princípio, diz não lembrar do que aconteceu. É claro que alguns destes estão mentindo e só pensando como se livrar da acusação. Mas, para outros, o esquecimento é real. É um tipo de choque psicológico que causa a dissociação da realidade, chamado amnésia dissociativa ou relacionada ao estresse. Isso acontece quando o evento é tão traumático que o cérebro efetivamente os reprime. Esses apagões de memória também são encontrados em pessoas que estavam sob efeito de álcool durante o momento do crime.
É possível reabilitar um assassino?
Sim, é possível. Em toda a minha carreira, eu encontrei apenas cinco casos de serial killers, ou seja, pessoas que matam de novo. É um grupo importante, mas são poucas pessoas. Nos homicídios psicóticos, 70% dos pacientes com esquizofrenia respondem ao tratamento com medicamentos e podem ser reinseridos na sociedade quando seu estado mental e comportamento estiverem estabilizados. Mas a maior parte dos meus pacientes não tem somente psicose. Eles também têm uma personalidade com comportamento antissocial, histórico de problemas e abuso na infância. Para esse grupo, é mais difícil a reabilitação, pois exige inteintervenção sobre comportamento violento, problema de drogas etc. Já o grupo que comete homicídio sexual é formado fundamentalmente por psicopatas e é um grupo muito difícil de tratar. Quando conversamos com eles, eles não dizem o que estão pensando, são violentos, sadistas e mentirosos. No hospital, temos um paciente que matou sua parceira e tentou matar outra mulher. Ele tem sadismo, gosta de pornografia violenta. Depois de muitos anos no hospital, ele estava dizendo que estava bem e que já tinha superado esses problemas. A equipe que estava cuidando dele estava se preparando para que ele saísse, até que encontraram escondido dentro do alto falante de um som no seu quarto, várias coisas com pornografia violenta. Ou seja, ele estava escondendo seus pensamentos reais só para ser solto.
É possível sentir empatia por um assassino?
Sim. Quando estamos fazendo o tratamento e entendemos o histórico de vida dessa pessoa, o que a levou a chegar até isso, é possível, como terapeuta, sentir empatia por ela. Por exemplo, por mulheres que matam seu parceiro após serem vítima de seguidas violências. Mas é importante não esquecer o crime que ela cometeu. Por outros, é difícil ter empatia. Tenho um paciente que matou seu vizinho há 20 anos. Ele é muito paranoico e está sempre brigando com enfermeiros. Ele saiu do hospital três vezes e sempre foi preso de novo por causa de brigas com vizinhos. Ele não matou novamente, mas apresentou o mesmo comportamento observado há 20 anos. Vi que os relatórios recentes sobre ele, escritos por outros colegas, não mencionaram o homicídio que ele havia cometido. Eu coloquei essa história como prioridade no relatório porque sempre temos que lembrar o que ele fez para evitar outra vítima.
Por Giulia Vidale – O Globo