Artigo

Tecendo…

Por Júnior Eler - Artigo publicado no Tribuna do Cricaré, edição 18/05

3 de abril de 2001. Eu subia as escadas da Tribuna do Cricaré pela primeira vez na vida. A TC ainda era ‘dimenó’, tinha 17 anos -hoje já tem 38. Eram 8 da noite e eu tinha marcado para as 10 da manhã com o Antonio de Castro, o mítico Diretor de Redação da TC. Em pauta, uma vaga de correspondente, aqueles repórteres que cobrem uma região específica fora da sede do jornal. E não é que o cara me atendeu!

Na minha bolsa, aquela meia vida inteira de trabalho em várias frentes de jornais do interior, uma série de desculpas e pedidos de desculpas pelo atraso -aquela carona que me levou para a outra margem do rio, o ônibus que não chegou pois nem existia, a inexperiência de jovem menino da divisa capixaba com Minas Gerais, e a ousadia e confiança que só os jovens meninos têm.

Depois de uma sequência de testes, que foram da Língua Portuguesa, Matemática e Digitação, com um sorriso nos lábios que insistia em disfarçar ao olhar os resultados parciais, Antonio pediu que eu voltasse no dia seguinte, às 9h, para fazer o teste de campo -ou seja, uma reportagem. “Mas dessa vez cheguei no horário marcado!”

Eu: “Ué, vamos fazer agora logo”. Já eram quase 11 da noite de uma segunda-feira.
Ele: “Mas já está bem avançada a noite, Eler. Que pauta poderia ser?”. A pergunta parecia ser mais um desafio do que uma dúvida.
Eu, sem hesitar: “Sobre coisas que acontecem na noite, ora!”.

Rá! Dessa vez ele não disfarçou o sorriso. Me entregou um gravador, um bloco de papel e uma ‘Xeretinha’ -como chamávamos aquelas maquininhas fotográficas com filme. Desci as escadas com a pressa de salvar o mundo! Não tinha a mínima ideia do que iria fazer, mas sabia que São Benedito, São Mateus, os Zumbis e todos os heróis que fizeram história testemunhada pelo Poderoso Cricaré iriam me ajudar.

E no entorno do Mercado Municipal e na Praça da Rodoviária já topei com figuraças como o Mineiro, que vendia hambúrguer, e o Bola, que vendia pipoca, doce e o que mais lhe rendesse um dinheirinho honesto. O Mineiro faz tempo que não vejo, mas o Bola ainda é personagem da noite, do dia, e por aí vai.

E fui desembolando…

No dia seguinte estava fichado, e para trabalhar na própria sede do jornal! E ali, iniciei uma jornada antológica de autoconhecimento, de profissionalismo na veia, superação dos próprios limites e evolução cultural, filosófica e mística. Um entendimento mais apurado de Comunicação em suas várias vertentes, mas sobretudo na valorização do ser humano, transformando personagens anônimos -do esporte, da cultura, da política e muito mais em celebridades.

Conheci por dentro uma verdadeira Tribuna que carrega o nome do Vale e que dá voz a vozes que não eram ouvidas, e rostos e cores aos até então invisíveis. Um instrumento de linha notadamente construtivista e que levantou e carregou bandeiras de luta que fizeram toda a diferença, em vários aspectos e segmentos, para a região.

Teci -do verbo Tecer mesmo, “entrelaçar metodicamente”- a minha própria história com as armas e oportunidade que a TC me deu.
E foi na Tribuna do Cricaré -e através dela- que fiz grande parte dos meus melhores e eternos amigos, tive paixões, experiências que escrevi, inclusive nas próprias páginas do jornal, e outras que ficaram ‘in off’, como reza a cartilha do bom e velho jornalismo quando a fonte lhe pede. Lá fui Repórter, Repórter Sênior, Assistente de Edição, Editor. De lá, embarquei numa jornada profissional que me levou a assumir a Comunicação da Câmara de São Mateus, e dos municípios de Mucuri-BA e São Mateus-ES.

Nesse meio tempo, construí uma forma de Comunicação no Movimento Sindical que me transportou a várias regiões do País para conhecer, aprender, reportar e às vezes ensinar ‘os paranauês’ focados na Comunicação Popular, sem muros, amarras ou cercas de arame farpado criadas só para confundir ou tentar travar o entendimento da geral. Comunicação tem que ser para todos, não só para os entendedores dos ‘juridisquês’ ou ‘economês’ da vida.

E eu não poderia pensar diferente, pois fui ‘Rato de Redação’ da TC, cujas salas e corredores serviram de escola profissional -e de vida- de várias mentes pensantes que hoje estão espalhadas por esse mundão. Isso tudo conduzido com maestria pelo ‘big boss’ Márcio de Castro, Diretor-Geral da onda toda, um ser humano singular de quem, ao entrevistá-lo pela primeira vez para uma edição de aniversário, tive o prazer de escutar que a Tribuna do Cricaré tinha “dezenas de milhares de páginas escritas com paixão”. E hoje o Jornal chega à edição 7.000 um número emblemático e poderoso.

Da mesma forma que contei a história de boa parte da minha vida lembrando da TC, a TC também contou -e conta- e confunde-se com a história de São Mateus e a região polarizada pelo Município.

E entre inúmeras experiências no jornal, deixo para a história a criação da expressão “Tecenauta”, que é como chamamos carinhosamente o público que interage, lê e ajuda a fazer a TC. E eu sou um Tecenauta, com muita honra.

(*Júnior Eler é jornalista e secretário de Comunicação de São Mateus.)

Rubem Gama

*Servidor público municipal, acadêmico de Direito, jornalista (MTB nº 06480/BA), ativista social, criador da Agência Gama Comunicação e do portal de notícias rubemgama.com. E-mail: contato@rubemgama.com

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