BRASIL

Governadores e deputados tentam impedir realização da Copa da América no Brasil

Arena Fonte Nova - Foto: Divulgação I Ag.BAPress
Arena Fonte Nova

O anúncio do Brasil como país-sede da Copa América em meio ao recrudescimento da Covid-19 surpreendeu muita gente. A crise política na Colômbia e a piora na crise sanitária na Argentina colocou o país como favorito para receber a competição, com previsão para início no dia 13 de junho, o que foi confirmado pela Conmebol ainda na manhã desta segunda-feira, 31.

A entidade agradeceu nominalmente o presidente Jair Bolsonaro por aceitar receber o torneio de futebol. Até então, o Brasil não tinha se colocado como possível sede da Copa América, mas uma conversa do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Rogério Caboclo, com o presidente da Conmebol, Alejandro Dominguez, mudou toda a situação.

Já no início da noite, o ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos afirmou que ainda não tinha nada definido. O militar confirmou que se acontecer não terá “público” e que será imposta a vacinação de todo a delegação, limitada numericamente a 65 pessoas. 

Na Bahia, o governador Rui Costa (PT) inicialmente disse que não faria nenhuma “flexibilização” para receber a competição, mas não se posicionou contrário à sua realização. Mais tarde, escreveu no Twitter que o país precisava de “vacinas e não de Copa América”, e pediu que a “agilidade” do Governo Federal em responder à Conmebol seja utilizada para a aquisição do imunizante contra o novo coronavírus.

“O Brasil precisa de mais vacinas e não de Copa América. Não é responsável termos mais uma competição quando nos aproximamos da marca de 500 mil mortes pela Covid-19. A agilidade que o Governo Federal teve para dizer sim à Copa América precisa ser aplicada à compra de vacinas”, declarou o governador.

Antecessor de Rui no Palácio de Ondina, o senador Jaques Wagner também comparou o empenho de Jair Bolsonaro no acerto com a Conmebol com a lentidão na negociação de vacinas, como aconteceu nas cartas da Pfizer ignoradas pelo governo brasileiro. 

“Para trazer o que o povo precisa – vacina, auxílio emergencial de R$ 600 e empregos – é uma lesma. Para trazer a Copa América, um campeonato rejeitado por diversos países, é veloz. A crueldade ultrapassa todos os limites”, escreveu o ex-ministro no Twitter.

O senador Otto Alencar (PSD) classificou a decisão do governo em sediar a competição como uma “insanidade”, em entrevista à CNN Brasil. Otto, que é médico de formação, alertou para o risco da importação de novas variantes com o contato entre atletas de países diferentes.

“Estão brincando com a saúde do povo brasileiro”, disse Otto Alencar à CNN Brasil. “Se o ministro da Saúde e o presidente da República tomam essa decisão, é estimular a aglomeração de pessoas que vem de fora com outras variantes. Muito danoso à saúde. Pessoas virão de países que ainda não estão com cobertura vacinal mínima e razoável”, completou o senador.

Com a maior parte dos parlamentares da base do governador Rui Costa (PT) com posicionamento semelhante, o senador Angelo Coronel, do mesmo PSD de Otto, diverge e acredita que a testagem adequada seja suficiente para garantir a segurança da competição. O parlamentar lembra que, nem no Brasil nem na Bahia, o futebol parou diante de uma “onda” de casos e mortes pelo novo coronavírus.

“Eu vejo com tranquilidade [Brasil como sede da Copa América], tem que tomas as medidas sanitárias que já está se tomando no campeonato brasileiro, que é o maior do mundo. Não sei porque essa celeuma de sediarmos a Copa América […] sei que o assunto é polêmico, mas eu sou muito franco: se é para parar, tem que parar tudo”, declarou o senador em conversa com o grupo A TARDE.

Coronel ressalta que o futebol pode ainda servir como uma “diversão” diante do cenário pandêmico que impõe a restrição de circulação e da interação social.

“Tivemos em plena onda, campeonato baiano, a Copa do Nordeste, agora o ‘Brasileirão’. Ontem terminou a Champions League. O esporte é até uma maneira de quem está recluso em casa ter uma diversão”, acrescentou.

Outros governadores, como Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul, Paulo Câmara (PSB), de Pernambuco, e Fátima Bezerra (PT), do Rio Grande do Norte, também se manifestaram contrários à competição. Todos eles destacaram que não foram procurados pela entidade latino-americana nem pelo governo brasileiro.

Segundo  Paulo Câmara, o “cenário epidemiológico não permite” que o Pernambuco receba partidas internacionais. A taxa de ocupação na rede pública no estado já atinge 98%.

JUSTIÇA – Deputados e partidos reagiram a escolha do Brasil como país-sede e prometeram acionar a Justiça e o Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão. A assessoria de Jorge Solla (PT-BA) informou ao grupo A TARDE que seria movida uma ação popular pelo deputado federal e ex-titular da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. O petista reconheceu a importância de eventos desta magnitude para o turismo internacional, mas que com o momento vivido pelo país na pandemia traria “zero retorno”.

Ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT-SP) afirmou que conversou com a presidente da sigla, a deputada federal Gleice Hoffman (PT-PR), para acionar o Supremo contra o que chamou de “Copa da Morte no Brasil”. O deputado encaminhou um ofício ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que declarou que não faria “objeção” caso o estado fosse escolhido pela CBF para receber alguns dos jogos do torneio.

Em coletiva de imprensa, no entanto, o tucano salientou que não tinha a confirmação de que São Paulo iria sediar alguma partida, inclusive por já ter jogos da Copa do Brasil e do Brasileirão.

Diretor do Instituto Butantan, responsável por fabricar a CoronaVac em conjunto com a chinesa SinoVac, e pesquisador Dimas Covas, assegurou que não seria “oportuno” ter a “Copa América neste momento”, em que há uma clara “aceleração” na pandemia.

Deputado federal pelo PSB de Minas Gerais, Júlio Delgado também garantiu que vai acionar a Justiça para tentar barrar a competição: “Um absurdo!”.

CPI – Vice-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o senador Randolfe Rodrigues entrou com um requerimento de convocação do presidente da CBF, Rogério Caboclo, logo que foi divulgada a notícia de que o Brasil seria o país-sede da Copa América.

De acordo com o documento, a Comissão precisa ouvir de Caboclo quais “medidas foram tomadas para garantir a segurança sanitária dos brasileiros e das delegações estrangeiras durante a realização do evento”.

Visto como um nome moderado, que ora se coloca de forma contundente contra os senadores governistas por posições negacionistas e em outra tenta conter os ânimos nas sessões, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) admitiu que não vê “grandes problemas” na realização do torneio, desde que sem torcida nos estádios.

Assim como o senador Angelo Coronel, Aziz diz que não existe diferença entre as partidas dos campeonatos estaduais ou Libertadores, por exemplo, que seguem ocorrendo normalmente.

“Se todo mundo que vier na delegação a gente souber que não vai uma “cepa” nova para cá, com certeza absoluta não vejo grandes problemas, porque vejo campeonatos andando. Um jogo não é diferente do outro. Sem público não vejo problemas de ter jogo aqui. Se há condições de sediar, sedia”, disse em entrevista à CNN Brasil.

Rubem Gama

*Servidor público municipal, acadêmico de Direito, jornalista (MTB nº 06480/BA), ativista social, criador da Agência Gama Comunicação e do portal de notícias rubemgama.com. E-mail: contato@rubemgama.com

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